15/08/14
CONTRA CHEQUES

CONTER mostra ao STF que decisão liminar na
ADPF 151 é precária e não tem sido suficiente para garantir o direito de
reajuste da maioria, que recebe salários bem abaixo do piso nacional
O Conselho Nacional de
Técnicos em Radiologia (CONTER) protocolou, nos autos da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 151, mais de300 contracheques enviados por profissionais do Brasil
inteiro para mostrar que tanto o setor público quanto o setor privado não
cumprem a decisão da Corte e definem os salários profissionais como bem
entendem, bem abaixo do piso nacional e, na maioria dos casos, sem o adicional
de 40% por insalubridade.
Segundo a presidenta do CONTER Valdelice Teodoro, os documentos foram
oferecidos em sigilo, para proteger a identidade dos técnicos e tecnólogos em
Radiologia que tiveram a coragem de expor sua condição. Entretanto, as empresas
que descumprem a legislação federal foram devidamente identificadas, para que
fique claro o cenário salarial brasileiro. Nas mensagens que recebemos, as
pessoas manifestavam medo, pediam sigilo para evitar perseguição ou demissão.
Nós respeitamos o embargo, mas não vai ficar por menos. Com a estratégia
correta, vamos intensificar nossa fiscalização justamente nessas instituições
que não respeitam o direito do trabalhador, enfatiza.
Andamento do processo
A ADPF 151 foi protocolada em novembro de 2008, pela Confederação Nacional de
Saúde (CNS). O pedido de liminar nela formulado foi colocado em julgamento no
Plenário do STF em 1º de dezembro de 2010. Na oportunidade, após o relator,
ministro Joaquim Barbosa, indeferir o pedido e o ministro Marco Aurélio se
pronunciar pelo seu deferimento, o ministro Gilmar Mendes pediu vista.
Neste meio tempo, a presidenta do CONTER Valdelice Teodoro teve uma audiência
com o ministro Marco Aurélio Mello para tentar sanar a divergência, mas não
teve sucesso.
Ao trazer, em 2 de fevereiro de 2011, a matéria de volta ao plenário, o
ministro Gilmar Mendes propôs a concessão de liminar parcial, que foi aceita
pela maioria dos ministros presentes à sessão. Em seu voto, ele considerou o
fato de que a lei questionada (Lei 7.394/1985) já estava em vigor há 26 anos.
Até o desfecho do julgamento, Mendes propôs uma solução alternativa aceita pela
maioria: o salário da categoria seria fixado em valor monetário da época da
publicação do acórdão e deixava de ser vinculado ao mínimo. Daí, seria
reajustado anualmente, de acordo com os critérios gerais para reajuste
salarial. Essa regra valeria até o advento de nova lei federal, convenção ou
acordo coletivo da categoria com seus empregadores, ou, ainda, pela fixação em
lei estadual, dentro dos critérios estabelecidos pela LC 103/2000.
O ministro Joaquim Barbosa, um dos três votos vencidos, manteve sua decisão
pelo indeferimento do pedido de liminar, defendendo uma consulta ampla às
categorias profissional e patronal envolvidas. Segundo ele, a decisão da
Suprema Corte em sede de liminar é temerária e atende mais aos interesses dos
empregadores. Também a ministra Ellen Gracie, que acompanhou o voto do relator,
manifestou sua opção pela decisão do litígio apenas no seu julgamento de
mérito.
Neste ponto, contudo, para continuar a entender o paradigma social, é
necessário antes compreender os caminhos que nos trouxeram a essa condição sui
generis e prospectar quais são as saídas possíveis para reequilibrar as
relações de trabalho. Pois bem, até 5 de maio de 2011, o piso salarial dos
profissionais das técnicas radiológicas era indexado ao salário mínimo. A cada
reajuste anunciado pela Presidência da República, na mesma medida, os
vencimentos dos técnicos e tecnólogos em Radiologia eram atualizados. Isso
acontecia por força do Artigo 16 da Lei n.º 7.394/85, que diz:
O salário mínimo dos profissionais que executam as técnicas definidas no Art.
1º desta Lei será equivalente a 2 (dois) salários mínimos profissionais da
região, incidindo sobre esses vencimentos 40% (quarenta por cento) de risco de
vida e insalubridade.
Entretanto, por força de decisão liminar proferida pelo STF no julgamento da
medida cautelar interposta pela Confederação Nacional de Saúde (CNS) na
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 151, a lógica desse
cálculo mudou a partir do dia 6 de maio, data da publicação do acórdão. Por
maioria, a Corte decidiu que os salários profissionais não mais seriam
reajustados de acordo com o salário mínimo.
Para evitar o estado de anomia (ausência de lei disciplinando a matéria) e
garantir um reajuste básico para a categoria até o desfecho do julgamento, os
ministros do STF também decidiram que o salário dos profissionais das técnicas
radiológicas seria convertido em valor monetário naquela data e, partir de
então, sofreria reajuste anual de acordo com o Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA/IBGE).
Vale ressaltar que a base de cálculo só se aplicaria aos casos em que não
houvesse convenção ou acordo coletivo fechado por entidade representativa da
categoria.
O que espera o CONTER
Os técnicos e tecnólogos em Radiologia esperam pelo desprovimento da ADPF 151.
Em face da desconsideração de todos esses aspectos, reitero a necessidade de
concluir o julgamento da ADPF 151, para acabar com a insegurança jurídica e com
a inversão de valores que assolam a vida de todas as pessoas que dependem de
uma solução pacífica para o processo, finaliza Valdelice Teodoro.
Vale frisar que, quando a Confederação Nacional de Saúde (CNS) entrou com o
processo para tornar nulos os efeitos do Artigo 16 da lei n.º 7.394/85, o fez
sob a justificativa de que os salários dos técnicos e tecnólogos em Radiologia
estariam inviabilizando a prestação dos serviços radiológicos. Na verdade, isso
não corresponde à realidade.
Podemos afirmar com absoluta convicção que o custo dos salários dos
profissionais de baixa e média complexidade que estamos a tratar não
influenciam, praticamente em nada, o orçamento de um serviço de Radiologia,
independente do seu tamanho. Os outros custos fixos e, principalmente, a média
de lucro dos proprietários e médicos, faz parecer piada o rendimento daqueles
que executam as técnicas que permitem a realização dos exames radiológicos,
considera Valdelice Teodoro.
Calamidade pública
O processo de deterioração da saúde pública brasileira, sem dúvidas, tem como
seu principal agravante a desvalorização e falta de reconhecimento dos
profissionais que compõem as equipes multiprofissionais de saúde. Esses
trabalhadores desempenham um importante papel social para o país, mas são
continuamente abalados pela exploração.
De salários defasados à falta de infraestrutura básica para trabalhar, os
servidores do Sistema Único de Saúde (SUS) e, também, os profissionais do setor
privado encaram tudo quanto há de dificuldade no dia a dia de trabalho. Além
disso, lidam com a fúria do povo, que não tem acesso aos verdadeiros responsáveis
pelo colapso do sistema e acabam descontando em quem está na linha de frente,
sofrendo as consequências diretas do processo de sucateamento do serviço.
Não bastasse o sufocamento cotidiano, os profissionais das técnicas
radiológicas enfrentam mais um agravante. Embora a categoria tenha um piso
salarial assegurado em caráter liminar pelo Supremo Tribunal Federal (STF), nos
autos da ADPF 151, a maioria dos técnicos e tecnólogos em Radiologia
brasileiros recebe menos do que deveria. Pior, não recebem o adicional por
insalubridade máxima (40% sobre o salário) a que têm direito e, nos casos mais
expressivos, recebem salário mínimo mesmo, sem qualquer benefício inerente à
complexidade do trabalho que desenvolvem. Isso resta claro nos contracheques
ora anexados ao processo.
Certamente, a ADPF 151 é uma ação judicial que denota as próprias relações de
poder na área da saúde. É uma demonstração clara de como a busca obstinada pelo
lucro pode ser predatória e levar a entendimentos que ferem o interesse
público.
A maioria dos profissionais que entraram em contato com o CONTER para denunciar
a realidade salarial pediram absoluto sigilo dos dados, pois têm medo de sofrer
retaliação ou processo de demissão por conta da denúncia. Uma situação que
demonstra o clima de coronelismo ainda instalado nos serviços de saúde, tanto
público quanto privados.
A situação instalada precariza as relações de trabalho e promove a falta de
qualidade dos serviços radiológicos. Sem remuneração adequada, a prestação do
serviço fica comprometida, bem como o desenvolvimento humano do profissional
que acaba alocado em situação de miséria.