09/01/14
IRRESPONSABILIDADE

Grávidas operam escâneres que
emitem RX no Aeroporto de Guarulhos; Existem riscos de efeitos biológicos para
os bebês
O
tecnólogo em Radiologia Luis Henrique Pires registrou uma cena que mostra o
descaso da Infraero e das concessionárias que administram os aeroportos
brasileiros com a saúde dos trabalhadores que operam equipamentos emissores de
raios X nos terminais aeroviários. Como se pode ver na imagem ao lado, duas
grávidas operam escâneres de bagagem no embarque doméstico do Aeroporto de Guarulhos. O flagrante foi
feito dia 23 de dezembro de 2013, por volta das 16 horas. O CONTER notificou os
responsáveis e o MP/SP a respeito da denúncia.
Atentar
contra a vida de uma criança é um crime contra a humanidade. Se algo ocorrer
com os bebês dessas mulheres no futuro, os responsáveis devem ser punidos nos
termos da lei. Para qualquer profissional da área, resta claro que uma gestante
não pode operar um escâner que emite raios X. Contudo, não tem profissionalismo
nos aeroportos, pois a busca é sempre pelo menor custo. Esses operadores são
mal qualificados para a função e não sabem o risco que correm. Não existe
responsabilidade técnica. O trabalhador é tratado como gado, se revolta a
presidenta do CONTER Valdelice Teodoro que, ao longo de sua juventude, perdeu
um filho por ter sido exposta indiscriminadamente à radiação ionizante numa
sala de Radioterapia.
Normas
federais disciplinam a matéria, mas são ignoradas tanto pela Infraero quanto
pelas concessionárias privadas que hoje administram grande parte dos terminais
aeroviários. De acordo com o item 32.4.4 da Norma Regulamentadora 32 (NR32), toda
trabalhadora com gravidez confirmada deve ser afastada das atividades com
radiações ionizantes, devendo ser remanejada para atividade compatível com seu
nível de formação. A medida tem o objetivo de preservar a saúde e o
desenvolvimento do feto, que é extremamente sensível à radiação ionizante e
pode sofrer alterações genéticas ou outros problemas de saúde caso seja exposto
além do recomendado.
Segundo a
Portaria ANVISA n.º 453/98, que institui diretrizes básicas de proteção
radiológica:
2.13
Exposições ocupacionais
b) Para
mulheres grávidas devem ser observados os seguintes requisitos adicionais, de
modo a proteger o embrião ou feto:
(I) a
gravidez deve ser notificada ao titular do serviço tão logo seja constatada;
(II) as
condições de trabalho devem ser revistas para garantir que a dose na superfície
do abdômen não exceda 2 mSv durante todo o período restante da gravidez,
tornando pouco provável que a dose adicional no embrião ou feto exceda cerca de
1 mSv neste período.
A tese de
que a radiação ionizante de baixa intensidade não é nociva à saúde humana já
foi derrubada em diversos artigos científicos de renome internacional. É
consenso no meio acadêmico que a exposição à radiação sem um rigoroso controle
das doses absorvidas provoca alterações do material genético das células e pode
causar problemas de saúde, como câncer, anemia, pneumonia, falência do sistema
imunológico, problemas na pele, entre outras doenças não menos graves, que
podem induzir ao infarto ou derrame.
Entre os
grupos de risco, o principal é o das gestantes. Uma grávida não pode ser
exposta, principalmente, se estiver no primeiro trimestre da gravidez, período
em que o feto tem maior nível de radiossensibilidade. Dependendo da exposição,
a radiação pode perdurar em uma contagem significativa, gerando risco de
efeitos biológicos para a criança.
De acordo
com a Portaria ANVISA n.º 453/98, os limites pessoais determinados pela
legislação são de 50 milisieverts (mSv) de dose efetiva por ano, devendo
possuir uma média de 20 mSv em 5 anos, além de valores intermediários durante
os meses, que traduzem níveis sujeitos à investigação e/ou intervenção
laboratorial (exames citogenéticos) e notificação às autoridades reguladoras.
Para monitorar essas doses, o profissional que lida diretamente com o
equipamento deve usar um dispositivo chamado dosímetro. Nos aeroportos, os
operadores de escâneres não fazem dosimetria ou uso de qualquer outro
Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Há riscos
para qualquer indivíduo exposto ocupacionalmente, mesmo que o equipamento
produza baixas taxas de dose, em função das características de ocorrência dos
efeitos estocásticos.
A
radiossensibilidade celular está diretamente relacionada com a taxa de
reprodução do grupo celular. Quanto maior a taxa de reprodução, maior a
radiossensibilidade. Então as células da pele, tireóide, gônadas e cristalino
estão mais suscetíveis aos efeitos biológicos das radiações ionizantes.
Portanto, devem estar protegidas no momento da exposição. Contudo, atualmente,
os operadores desses equipamentos na área de segurança trabalham sem nenhum
cuidado ou acompanhamento à saúde, esclarece Valdelice Teodoro. É recomendado
que os operadores de escâneres façam exame de sangue com contagem de plaquetas
a cada seis meses e, ao sinal de queda, o profissional seja afastado
preventivamente até o reestabelecimento das taxas.
Litígio
Não é de hoje que o Conselho Nacional
de Técnicos em Radiologia (CONTER) tenta alertar as autoridades sobre os riscos
e as responsabilidades que envolvem a utilização da radiação ionizante nos
aeroportos. De
oficiamento a processo judicial, a autarquia já tentou de tudo para apontar as
ilegalidades em curso. Entretanto, a resistência não é vencida nem pelo
surgimento de doenças ocupacionais graves.
De acordo
com o mestre em Radioproteção e Dosimetria pelo IRD/Cnen, professor Giovane
Teixeira, ler radiografias e assimilar a radioproteção exigem treinamento em
cadeiras paralelas à simples formação da imagem, como a física das radiações e
a radiobiologia, o que não é possível a um agente de segurança sem formação
específica. Um profissional com uma formação em análise de imagens, que
estudou sobre a física das radiações e, especificamente, os parâmetros de
imagem convencional e digital seria capaz de uma interpretação mais eficiente
nessas inspeções, reduzindo assim os riscos envolvidos e aumentando a
efetividade do sistema, garante.
Em
resposta ao Ministério Público Federal (MPF), nos autos do Inquérito Civil n.º
1.16.000.000094/2011-62, a Infraero afirma que os escâneres de inspeção são
seguros e não representam risco à saúde por serem dotados de uma cavidade
interna, blindada e protegida.
O CONTER
refuta o argumento, pois não existe nenhum equipamento de raios X sequer que
tenha a ampola geradora da radiação ionizante exposta. Todas são, de fato,
internas. Todavia, não são totalmente blindadas e, muito menos, protegidas. O
fato de a fonte emissora de radiação ficar dentro do equipamento não evita a
dispersão dos raios X que são emitidos, é o que se chama de radiação
secundária.
Em
resumo, isso significa dizer que quando um feixe de raios X é acionado e entra
em contato com a superfície a que foi direcionado, embora seja colimado, há o
espalhamento de radiação ionizante no ambiente. De maneira imediata, não
representa risco, pois essa é considerada uma radiação de baixa intensidade.
Todavia, os raios X possuem efeito acumulativo e estocástico e, em médio e
longo prazo, podem resultar em efeitos biológicos.
FONTE: CONTER