11/09/13
HISTÓRIA

Como os jornais da época (quase)
acabaram com a reputação da cientista Marie Curie
A vida da polonesa radicada em Paris, Marie Sklodowska-Curie, não se limitou
aos incríveis avanços na área da radioatividade, fenômeno praticamente
desconhecido no início do século passado, ou aos dois prêmios Nobel que
recebeu. Sua vida pessoal também era bem agitada. Marie foi acusada de ter tido
um caso com um homem casado logo após a morte de seu marido e ainda contou
com a manifestação de nada mais nada menos do que Albert Einstein em sua
defesa.
Marie Curie e seu marido, Pierre, não eram estranhos à imprensa. Em 1903,
a dupla ganhou um Prêmio Nobel em reconhecimento pelos extraordinários
serviços que prestaram por suas pesquisas conjuntas sobre os fenômenos da
radiação descobertos pelo professor Henri Becquerel. O relacionamento deles
era feliz, e ambos estavam em pé de igualdade intelectual com o outro. Eles
celebraram o Prêmio Nobel juntos e deram continuidade ao trabalho. Porém,
depois de alguns anos, aconteceu a tragédia.
Em 1906, o amado marido de Marie Curie morreu em um acidente. Na tarde de
19 de abril, Pierre estava atravessando a rua durante uma tempestade, quando
foi atropelado por uma carruagem puxada por cavalos, que levava seis toneladas
de uniformes militares. O cientista foi morto instantaneamente. Ainda
inconsolável, Marie chegou a recusar a pensão que o governo francês lhe
ofereceu, dizendo que ela poderia muito bem sustentar a ela mesma e aos filhos.
Ela voltou a trabalhar logo após a morte de Pierre e ainda assumiu as
pesquisas acadêmicas do marido. Arrasada pelo golpe, eu não me sentia capaz de
enfrentar o futuro. Eu não poderia esquecer, no entanto, que o meu marido
costumava dizer que, mesmo sem ele, eu deveria continuar o meu trabalho,
escreveu Marie.
Marie tinha apenas 38 anos de idade quando ficou viúva. Pouco tempo
depois, se envolveu com Paul Langevin, ex-aluno de seu marido. Um homem
brilhante e tão comprometido com a ciência como Pierre era seria capaz de
preencher o vazio deixado pelo falecido marido de Marie. Além disso, ele era
bonitão e tinha um próspero bigode. Como não amar? Havia apenas um problema:
ele já era casado.
Curie e Langevin tiveram um relacionamento amoroso mesmo assim. Na
realidade, Langevin já estava acostumado a ter relações extraconjugais. Seu
casamento não era nem um pouco feliz, e sua esposa supostamente uma vez lhe
quebrou uma garrafa na cabeça.
A esposa traída estava consciente das incursões anteriores com outras
mulheres, mas algo sobre Curie a enfureceu. Por isso, quando Madame Langevin
descobriu que seu marido e sua amante tinha montado um apartamento juntos, onde
eles poderiam se encontrar escondido, ela mandou alguém invadir o local. O ladrão
levou cartas íntimas do casal, as quais Madame Langevin ameaçou expor ao
público caso eles não parassem de se relacionar.
No entanto, de nada adiantou a ameaça da mulher de Langevin. O casal
continuou se encontrando, até que, três dias antes de Marie Curie ganhar seu
segundo prêmio Nobel, Madame Langevin vazou as cartas para a imprensa,
declarando que ela queria dinheiro e a custódia dos filhos do casal Langevin.
Os jornais se deliciaram com a história. Eles pintaram Curie como uma
sedutora que tinha atraído um homem de família e o afastado de sua boa esposa e
seus amados filhos. Não foi difícil convencer os leitores disso, dado o
preconceito da época contra estrangeiros lembrando que Marie era nativa da
Polônia e (provavelmente, não há dados muito precisos) judia.
Os jornais sempre eles espalharam os rumores de que o caso tinha
começado quando Pierre ainda estava vivo. As alegações, apesar de falsas,
mancharam o nome de Marie Curie o suficiente para que o Comitê do Prêmio Nobel
lhe pedisse para ficar na França em vez de viajar até a Suécia para aceitar seu
prêmio. Imagine só, o que as pessoas pensariam de uma adúltera recebendo uma
premiação do próprio rei da Suécia!?
Pausa para a explicação de que o tal rei da Suécia, Gustaf V, não teria
moral alguma para recriminar o suposto comportamento infiel de Marie. O próprio
foi acusado, anos mais tarde, ainda durante o seu reinado, de também ter um
caso com um homem casado. O comerciante Kurt Haijby quis agendar uma audiência
com o rei, em 1932, para conseguir o alvará de venda de bebidas alcoólicas para
seu restaurante ele não poderia obter o documento por vias legais porque
tinha sido um criminoso condenado. Durante a reunião, Gustaf V teria seduzido
Haijby. A esposa do comerciante acabou pedindo o divórcio, citando o
relacionamento de seu marido com o rei. No fim das contas, Haijby recebeu 170
mil coroas de suborno para manter o bico fechado. Fim da pausa.
O grande Albert Einstein, por outro lado, se manifestou categoricamente em
defesa de Curie, dizendo que ela deveria ir à Suécia, independentemente das
(falsas) alegações. Estou convencido de que você deve desprezar esta gentalha
Se a plebe continua a se ocupar de sua vida, simplesmente pare de ler estes
disparates. Deixe isso para as víboras para as quais estas notícias foram
feitas.
E a polêmica não para por aí. A fofoca ainda rendeu um baita duelo travado
entre dois editores de jornais rivais: M. Chervet, do periódico Gil Blas e
Leon Daudet, do LAction Française. Os argumentos giravam em torno da
veracidade das acusações de Madame Langevin. A briga realmente chegou às vias
de fato: a luta foi travada com espadas e depois de vários ataques ferozes,
Daudet ficou ferido e os dois se reconciliaram.
Outra discussão quente envolveu o próprio Paul Langevin e Gustave Tery, um
jornalista que o chamou de cafajeste e covarde. Langevin, que era um homem de
não levar desaforo para casa, exigiu que um duelo fosse combatido com pistolas
para resolver a questão. O desafio chegou a ser preparado, mas resultou em
nada, uma vez que Tery se recusou a atirar, alegando que não queria matar um
dos maiores gênios da França. Langevin declarou que ele também não era um
assassino e concordou em colocar a arma no chão.
Toda a agitação acerca do affair efetivamente acabou com ele. Langevin e
sua esposa foram capazes de resolver suas diferenças fora do tribunal e,
posteriormente, se reconciliaram, embora mais tarde Langevin acabasse vindo a
ser o pai de um filho ilegítimo com sua secretária.
Embora Marie Curie e Paul Langevin nunca reataram o romance, esse não foi
o fim das relações Curie-Langevin. A neta de Marie, Helene Joliot-Curie, acabou
se casando com o neto de Paul, Michel Langevin. O matrimônio foi,
provavelmente, o suficiente para colocar os pés da vovó Langevin no túmulo
isso se eles já não estavam lá.
Seguindo o conselho de Einstein, Marie viajou para a Suécia, apesar do
conselho do comitê, e aceitou seu segundo Prêmio Nobel. Depois, sentou-se na
mesma mesa que o rei da Suécia para uma refeição de onze pratos, e tudo ocorreu
bem. Ela, a propósito, foi a primeira pessoa homem ou mulher a ganhar o
Prêmio Nobel por duas vezes.
Além dos dois prêmios Nobel de Marie, o resto de sua família teve a honra
de receber outros três: o marido Pierre Curie ganhou um, sua filha Irène
Joliot-Curie foi a vencedora do Prêmio Nobel de Química em 1935, junto com o
marido, e sua segunda filha era a diretora da Unicef quando a organização
recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1965.
Até o momento, quatro pessoas já ganharam o Nobel duas vezes: Maria
Sklodowska-Curie (1903 e 1911, pela descoberta da radioatividade [Física] e,
posteriormente, pelo isolamento do elemento químico rádio puro [Química], John
Bardeen (1956 e 1972, ambos de Física, pela invenção do transistor e pelo
desenvolvimento da Teoria da Supercondutividade, Linus Pauling (1954 e 1962,
pela pesquisa sobre a ligação química em termos de substâncias complexas
[Química] e pelo ativismo antinuclear [Paz] e Frederick Sanger (1958 e 1980,
por descobrir a estrutura da molécula de insulina e inventar um método para
determinar as sequências de bases do DNA, ambos prêmios Nobel de Química).
O fim de sua triste história é famoso. Marie Curie, infelizmente, pagou
por seu trabalho com a própria vida. Em 1934, ela sucumbiu à leucemia, o
resultado da exposição prolongada à radiação. Seus trabalhos, mesmo hoje, ainda
são muito radioativos para serem manipulados sem a proteção adequada.
FONTE: CONTER